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Entrevista com Irmã Cássia

Entrevista com Irmã Cássia

Irmã Cássia Roberta Almeida, natural de Riversul/SP, residi atualmente em Roma/Itália.

1) A senhora sempre sonhou em ser irmã? Se não, como e quando surgiu o desejo?

Nasci em Riversul, mas cresci em Sorocaba, perto do trabalho do meu pai, ficava uma casa provincial das Irmãs da Divina Providência e ele tinha muita estima por essas Irmãs. Costumava me perguntar; “Não gostaria de ser como elas?”.

E eu, prontamente respondia que sim e quando alguém me questionava o que eu queria ser quando crescesse, respondia sempre “freira”, algumas pessoas riam e diziam “fala isso agora, pois é pequena, espera crescer!” Mas meus pais sempre me incentivaram.

Quando eu ia passar as férias com minha avó em Riversul, lhe acompanhava nas casas, para rezarmos o terço de Nossa Senhora da Rosa Mística e da Divina Misericórdia e sempre me levantava cedinho no domingo para ir com ela à Missa. Em minha cidade, frequentava o catecismo e ajudava nas celebrações litúrgicas. Quando completei doze anos de idade, meus pais se mudaram para Riversul. Sentia-me um “peixe fora do aquário’’. Gostava de Riversul para passar as férias, mas sentia falta dos meus amigos, da minha escola, da minha paróquia. Esse foi um período um pouco “negro” em minha vida, precisava de alguém em colocar a culpa e encontrei, o Senhor.

Só frequentava a catequese e a Missa porque era obrigada, mas depois, devagarzinho comecei a me reencontrar ali. Por insistência de minha amiga Mariana, comecei a frequentar o grupo de jovens, depois me convidaram para ser catequista. Entretanto uma coisa tinha acontecido, eu havia crescido e a profecia dos que diziam que quando eu crescesse não pensaria mais em ser freira, estava se cumprindo... É verdade que eu era empenhada na paróquia, mas queria ser enfermeira, me casar e ter muitos filhos.

Em janeiro de 2006, quando eu frequentava o 2º ano do ensino médio, comecei um curso de auxiliar de enfermagem, meu pai não acreditava que eu pudesse ser enfermeira, porque segundo ele eu era “muito enjoada” para tal profissão. Era melhor seguir a carreira de advogada.

Insisti e alguma coisa de estranho aconteceu e não foi na frente do Santíssimo, mas sim em uma aula de ética profissional. O Senhor é assim, fala quando quer. À Zacarias falou no templo durante a oferta do incenso e para Moisés, falou no meio do rebanho de ovelhas, isso para dizer que o Senhor está sempre com a face voltada para nós, o que aconteceu foi que, enquanto a professora explicava a omissão de socorro, ela disse que não é omissão de socorro, quando deixo de ajudar uma pessoa, porque a minha está em risco, neste momento, pensei com meus botões: “mas isso é pouco, gostaria de algo a mais”.

Durante aquele ano, o Senhor me falou várias vezes, mas eu ainda não era capaz de entender, a única coisa que tinha entendido bem, era que meu lugar era ao lado dos doentes.

Muitas vezes me perguntaram se resolvi ser religiosa por causa de uma decepção amorosa, infelizmente essa é a ideia que muitas pessoas têm dos padres e das irmãs, sobretudo das irmãs, ideia que por muitas vezes, foi incentivada pelas novelas. Da minha parte, posso dizer que tive um relacionamento feliz, estivemos juntos por pouco tempo, mas ao lado dessa pessoa, pude cultivar o desejo de ser esposa e mãe.

A festa de São Camilo daquele ano de 2007 guardava-me uma surpresa, uma reviravolta em meus planos. Estava em Aparecida/SP, com minha avó e minha amiga Daiane, no comentário inicial, o religioso Redentorista, falou um pouco de São Camilo de Léllis, dos padres e das irmãs, e alguma coisa se acendeu dentro de mim, virei para minha amiga e disse “quero ser Filha de São Camilo”.

2) Como foi o processo de discernimento? A aceitação da família e amigos?

Foi um período intenso, com muitas dúvidas, minha ideia de religiosa não era muito coerente com minha pessoa, como disse conhecia algumas irmãs, mas não bem, àquelas que eu conhecia melhor, eram das novelas. Algumas eram até boazinhas, mas eram sempre tão sérias, e eu não conseguia ficar séria por muito tempo, é minha natureza sorrir, até poderia me acostumar com a ideia de usar roupa igual todo dia, mas não sorrir e fazer silêncio, ah! Isso seria complicado. Meus pais me apoiaram do momento que acreditaram. Acreditar foi um pouco mais difícil.

Como eu disse não me encaixava no modelo padrão de religiosa, além disso, estava namorando, porém do momento que viram que era uma “coisa séria” me deram total apoio, na verdade meus pais sempre me apoiaram em minhas decisões, exceto a vez que eu queria pintar meu cabelo de roxo com as pontinhas azuis.

Contei só para um grupo de amigos bem “chegados”, tinha medo de dizer abertamente, afinal, quem iria acreditar? Empenhada na Paróquia, é verdade, mas ao mesmo tempo, amante de Agatha Christie e J.K. Rowling. “A Cássia, freira? Que dia é hoje? Primeiro de abril?” Não, era melhor não dizer nada, e ainda tinha meu namorado, toda vez que eu pensava neste assunto, meu coração congelava, por fim, com ajuda do meu pai, encontrei coragem, posso afirmar que esse foi um dos momentos mais difíceis que já passei até hoje...

Quando estava na frente dele, tentei por tudo não olhar em seus olhos, porque sabia que se nossos olhares se encontrassem, eu fraquejaria... E pela primeira vez em minha vida as palavras me faltaram.

Por alguns meses, me correspondi por carta com uma irmã. Em meados de outubro, duas irmãs vieram me conhecer e na Missa, o Padre pediu para que se apresentassem. Foi assim, que toda a cidade ficou sabendo e para minha grande surpresa, meus amigos aceitaram, gostaram da ideia de ter uma amiga freira.

3) Conte-nos como foi sua entrada ao convento? Algum fato que te marcou e queira partilhar conosco?

Minha decisão já estava tomada, terminaria o ensino médio em dezembro e não iria começar a minha tão almejada e planejada faculdade de enfermagem. Na terça-feira, completei 18 anos e domingo, 27 de janeiro de 2008, parti para a casa Provincial das Irmãs Filhas de São Camilo, em São Paulo, acompanhada pelos meus pais, meu tio e meu irmão que na época era muito pequeno.

Em São Paulo iria começar a primeira etapa de minha formação, o aspirantado, ali encontrei 28 jovens, que como eu, buscavam entender aquilo que o Senhor tinha planejado para cada uma de nós.

Jovens provenientes de todas as partes do Brasil foi minha primeira experiência com outras culturas, pela segunda vez as palavras fugiram, no jantar me sentei ao lado de uma menina que tinha chegado uma hora antes que eu e também estava perdida. Por um espirro, descobrimos que tinhamos uma coisa em comum, rinite, e depois disso, encontramos muitas outras coisas em comum, uma dessas é que no dia seguinte, iríamos procurar a irmã responsável das aspirantes, para dizer que iríamos voltar para casa, que a vocação delas era muito bonita, mas que não era para nós.

Naquele 2º dia, estávamos muito ocupadas, não tivemos tempo de falar com a Irmã, resolvemos que era melhor esperar uma semana, porque do contrário, corríamos o risco de passar na história com o recorde de “as aspirantes que ficaram menos tempo”. Aquela semana virou um mês, o mês virou ano e hoje já são doze.

Depois do aspirantado, tem o postulantado que é uma fase onde o postulante com ajuda de uma formadora, procura conhecer a si mesma e também a Congregação, por sua vez, a Congregação busca conhecer a candidata, se eu tivesse que dar outro nome para essa etapa, chamaria de namoro. A etapa sucessiva a esta é o noviciado, tempo do noivado com o Senhor, agora a noviça é chamada a viver como se fosse uma irmã, mas sem o vínculo sagrado dos votos, é onde recebemos o hábito e o véu, não sou capaz de descrever minha alegria no dia em que entrei no noviciado, lembro que não dormi nada naquela noite.

Se a noviça e a Congregação acreditarem que esse é a sua vocação, depois de dois anos de noviciado, vem admitida aos primeiros votos. Fiz meus primeiros votos no dia 8 de dezembro de 2012. Minha Congregação além dos três votos, de perfeita castidade, pobreza e obediência, tem um quarto voto; assistir os doentes mesmo com risco de vida e foi nesse voto que encontrei “aquele algo a mais” da aula de ética.

Os votos perpétuos podem ser emitidos após 5 a 9 anos dos primeiros votos, sempre, se a candidata e a Congregação acreditarem na idoneidade da mesma, todo esse período, a candidata acompanhada por uma formadora, que eu, por Providência Divina, do postulantado até os votos perpétuos tive sempre a mesma formadora, Irmã que foi e é ainda instrumento do Senhor em minha caminhada. Fiz os perpétuos com seis anos de profissão e para explicar o que senti, usarei uma metáfora, “Me senti sozinha em frente à imensidão do Oceano”.

Um fato que me marcou? Foram tantos, mas serei breve e contarei um, porque do contrário me estenderei demais e não quero cansar e entediar ninguém.

Na vida religiosa, assim como na vida matrimonial (tenho amigas casadas e às vezes confidenciamos nossas vidas de esposas), passamos por tantas provas, o Senhor mesmo avisou no Evangelho “Quem quiser ser meu discípulo, pegue sua cruz e venha atrás de mim”, entretanto o Senhor nunca me deixou sozinha, sempre colocou pessoas ao meu lado, não para que eu não sentisse as dores, mas para me ensinar que com as dores, se aprende e para lembrar-me que o Ressuscitado tem as marcas da Paixão, e nessas Chagas nós fomos curados, que minhas feridas servem para curar outras, as dos irmãos mais frágeis.

4) A senhora é feliz sendo Irmã?

Se sou feliz? E muito feliz, porque sendo irmã realizo plenamente minha vocação de mulher, que é aquela de ser esposa e mãe, com a profissão dos votos, me tornei esposa do Senhor e assim mãe de cada irmão que Ele quiser me dar.

5) Qual é o conselho que a senhora deixa para as moças que pensam em seguir a vida religiosa?

Que não tenham medo, se sentem chamadas pelo Senhor, que procurem uma Congregação para entender se é isso que o Ele sonhou para ela, e que não tenham medo de não se “encaixarem” nos estereótipos de religiosa, que como disse são fantasias de novelas. Para o Senhor, não existe um padrão, uma forma, Ele chama quem quer, basta darmos uma olhada quem foram os seus discípulos...

Depois, o Senhor não pede para mudarmos as coisas boas que trazemos dentro, nunca precisei parar de sorrir, muito pelo contrário, o meu primeiro gesto para um doente é o sorriso, porque acredito que o sorriso, pode não curar como faz a penincilina, mas ajuda a suportar as fadigas e outras, o Senhor ensina... Aprendi que o silêncio na hora certa é bom conselheiro e nos ajuda a ficarmos mais próximos do Eterno.